Diversidade
Drogas e Diversidade
A investigação, políticas e práticas na área das drogas emergem e operam dentro de um contexto social assente em profundas disparidades, sistemas de privilégio e desvantagem que são estruturais, e que têm por base as identidades sociais de determinadas pessoas, grupos e de comunidades (etnia, racialização, género, sexualidade, estatuto cultural e socioeconómico, idade, diversidade funcional, etc.).
Por essa razão, a área das drogas não é neutra. As políticas e práticas implementadas a este nível tendem a reproduzir sistemas opressão social (racismo, sexismo, heterossexismo, classicismo) e normas sociais hegemónicas que penalizam desproporcionalmente grupos sociais específicos (mulheres, pessoas com identidades não-binárias, minorias étnicas, imigrantes, etc.) que já se encontram em desvantagem (em termos económicos, de alojamento, educação, mercado de trabalho, sistema criminal, cuidados de saúde, etc.).
O caráter etnocêntrico e androcêntrico das políticas de drogas afeta as condições nas quais os riscos os e benefícios relacionados com o uso de drogas emergem, assim como a sua intersecção com os riscos que derivam da experiências de opressão e controlo estruturais, e necessidades e resultados de saúde e sociais específicos.
Por esse motivo, mulheres, pessoas LGBTQI+, migrantes, minorias étnicas e comunidades marginalizadas são mais penalizadas pelo seu uso de drogas, sendo mais afetadas por:
- Experiências de violência de género, violência sexual e/ou étnica
- Experiências mais intensas de estigma, e, consequentemente, segregação, discriminação, marginalização e exclusão social
- Utilização de drogas de forma problemática, consequência de experiências de discriminação e trauma (teoria de stress de minorias)
- Taxas de encarceramento mais elevadas
- Maiores obstáculos e dificuldades no acesso a serviços públicos sociais e de saúde, incluindo serviços destinados a pessoas que usam drogas
Tendo em conta o seu enfoque nos direitos humanos, a redução de riscos deve evitar focar-se meramenteos riscos individuais relacionados com o uso de drogas, mas deve considerar também os determinantes estruturais de desigualdade que causam ou agravam os problemas relacionados com drogas nestas comunidades.
Tendo isto em mente, na Kosmicare apoiamos a promoção de políticas de drogas compreensivas e interseccionais, e intervenções mais completas. Fazemos isto através:
- Criação de espaços de diálogo com as pessoas que são mais afetadas pelas políticas de drogas, de modo a entender a correlação entre o uso de substâncias e sistemas históricos, políticos e socioculturais, para discutir estratégias que visem a reparação das desigualdades sociais e de saúde
- Investigar a interseçãoo entre diversidade de género e sexual, de modo a construir estratégias e materiais de redução de riscos sensíveis a este tópico
- Estabelecer parcerias estratégicas com profissionais e ativistas que lutam pela justiça social, racial, de género, saúde sexual e saúde mental, de modo a construir estratégias que considerem a intersecção do consumo de droga e outros aspetos das identidades sociais
- Capacitação e consciencialização entre profissionais de serviços sociais, de saúde e de educação, e entre decisores políticos nos tópicos de igualdade de género, justiça étnica e social
Nesta secção encontrarás algum do trabalho que temos vindo a desenvolver para garantir que a nossa intervenção representa a diversidade de pessoas com quem e para quem trabalhamos, e para desenvolvimento des políticas de drogas mais compreensivas e interseccionais.
Chemsex
O que é?
O chemsex, também conhecido por Party´n Play (PnP), High & Horny (H&H) ou Fun, define o uso de determinadas substâncias para fins sexuais entre homens que fazem sexo com homens (HSH).
Para muitas pessoas, esta prática surge como uma solução facilitando e permitindo a desinibição necessária ao contacto e à experiência de práticas sexuais significativas e prazerosas. No entanto, estas experiências implicam alguns riscos que devem ser considerados.
Uso de drogas em contexto chemsexAs substâncias usadas em contexto de chemsex visam potenciar as interações sexuais através dos seus efeitos em termos de desinibição, atenuação de emoções difíceis de gerir, aumento da resistência e da performance sexual e para transcender crenças heteronormativas que impõem o que é ou não aceitável em termos de sexualidade.
Nesse sentido, as principais substâncias psicoativas associadas ao chemsex (“chems”) são GHB/GBL, catinonas sintéticas (mefedrona, 3MMC, 4MMC) e metanfetaminas, estando relacionadas com alguns dos principais riscos que emergem em contexto de chemsex. São também comuns os consumos de ketamina, poppers, outros estimulantes e inibidores PDE (p.e. Viagra, Cialis).
O GHB produz desinibição, euforia, excitação, descontração, sedação e aumento da sensibilidade sensorial e sociabilidade, sendo por vezes descrito como “liquid ecstasy”.
Estes aspetos contribuem para o GHB ser uma opção em contextos sexuais. No entanto, o GHB é um depressor do sistema nervoso central com uma margem de segurança estreita o que, associado ao facto de se apresentar geralmente em formas líquidas com doses ativas entre 0.25 e 1.5 ml, facilmente potenciar a adoção de comportamentos de risco, aumentar a vulnerabilidade a situações violência sexual ou resultar em perdas de consciência ou mesmo coma.
Os efeitos eufóricos do GHB predominam sobre a sedação em doses baixas. No entanto, desaparecem passadas 1-2h, enquanto o efeito sedativo se prolonga e se sobrepõe em doses mais elevadas. O que acontece frequentemente é que os utilizadores redoseiam (tomam uma nova dose) quando sentem a euforia a descer, implicando o aumento do efeito sedativo.
Para combater a sedação excessiva causada pelo GHB e para garantir a energia necessária para fazer frente a sessões de consumo longas, é frequente ocorrerem também consumos de substâncias psicoativas estimulantes.
Catinonas sintéticas (“bloom”)
As catinonas sintética são utilizadas pelos seus efeitos estimulantes e empatogéneos.
Provocam aumento de energia, sentimentos de empatia, ligação, sensações. Inicialmente causa um pico de euforia, de duração mais curta face ao resto dos efeitos, que podem ir até 6 horas. É frequente as pessoa voltarem a consumir passado pouco tempo, causando um efeito cumulativo da estimulação física, aumentando o potencial de tensão mandibular, tremores e palpitações.
Poppers
Os poppers são nitritos de amilo, um grupo de substâncias que aumentam o NO (óxido nítrico), promovendo vasodilatação e relaxamento do músculo liso.
São utilizados em contextos recreativos e em contexto sexual por provocarem uma “head rush” (causada pela vasodilatação periférica súbita) e por relaxarem o músculo do esfíncter, facilitando a penetração.
Têm um risco muito elevado de interação com inibidores da PDE, por ambos provocarem hipotensão. Apresentam-se sob a forma de um líquido em pequenos frascos.
São extremamente voláteis e a forma de consumo correta é respirar os vapores que se formam quando se abre o frasco.
Se o líquido entrar em contacto com a pele é extremamente irritante e se engolido provoca queimaduras nos lábios e esófago. É também extremamente inflamável, o que acrescenta um risco.
A ketamina é utilizada no contexto de chemsex como uma substância secundária, principalmente porque muitos participantes têm consumos continuados desta substância.
Apesar da ketamina ter uma elevada margem de segurança relativamente a paragem cardiorrespiratória, continua a ser um anestético e pode levar a lesões por provocar a diminuição da sensibilidade e potenciar a sedação provocada por outras substâncias. A ketamina dificulta ter e manter uma ereção, que pode contribuir para a utilização de inibidores da PDE.
Inibidores de PDE (Viagra, Cialis)
A utilização de medicação para a disfunção eréctil/ inibidores de PDE como Viagra (sildenafil) ou Cialis (tadafil) surge em contexto de chemsex com o objetivo de apoiar relações sexuais de elevada duração e para fazer frente às dificuldades em manter ereções pela interferência de várias das substâncias utilizadas neste contexto.
Este tipo de medicamento tem descrito como efeitos adversos problemas cardíacos (enfarte, taquicardia, arritmia, angina, paragem cardíaca súbita) e induz hipotensão. Ao serem combinados com outras substâncias hipotensoras e situações extremas (horas sem comer e de elevado exercício físico) podem potenciar perdas de consciência. Estes medicamentos podem também interferir com a medicação antirretroviral pelo que, neste caso, o seu consumo é desaconselhado.
Para saber mais sobre substâncias carrega aqui
CHEMSEX e redução de riscosOs principais riscos associados ao chemsex são:
- Intoxicação aguda, overdose e até morte pelo consumo excessivo de uma ou mais substâncias psicoativas
- Consumos frequentes e excessivos podem aumentar a tolerância e abstinência
- Situações de crise psicológica (arrependimento, culpa, depressão, baixa-autoestima, delírios e alucinações, psicoses)
- Infeções de transmissão sexual
- Lesões nas regiões anal e genital por diminuição da perceção de dor associada aos efeitos anestésicos de algumas substâncias
- Dificuldade em manter “sexo sóbrio”
- Abusos e/ou agressões sexuais
- Diminuição da performance laboral e/ou isolamento social
Se praticas CHEMSEX
Antes
- Planeia a tua sessão previamente: onde, com quem, durante quanto tempo, com que proteção, com que substâncias e em que doses vão acontecer as experiências sexuais
- Procura informação sobre os efeitos, contra indicações, doses e dicas de redução de riscos das substâncias que se pretende consumir. Se possível, analisa quimicamente as substâncias que tencionas consumir através do serviço de drug checking da Kosmicare
- Procura informação sobre a PrEP, mas lembra-te que esta opção apenas previne a infeção por VIH
- Define previamente um sinal ou “palavra de segurança” para comunicar desconforto e o desejo de parar a interação em momentos mais intensos, ou práticas alternativas ou kinky
Durante
- Esperar pelos efeitos das substâncias antes de decidir consumir mais
- Evitar misturas entre substâncias (álcool incluído) por aumentarem os riscos e favorecerem o consumo de doses mais elevadas
- Usar preservativo, especialmente na penetração anal e, preferencialmente, a cada mudança de parceiro
- Utilizar unidades individuais de lubrificante à base de água ou silicone para facilitar a penetração
- Em caso de rutura do preservativo é importante recorrer, o mais rápido possível, às urgências de qualquer hospital público para aceder à Profilaxia Pós-Exposição (PrEP)
Para reduzir os riscos associados ao uso de substâncias psicoativas é recomendável:
- No caso de G (GHB), uma dose ligeiramente maior do que o habitual pode ser suficiente para causar overdose. É recomendável começar com uma dose baixa, usar uma seringa/conta-gotas ou uma colher para dosear e esperar pelo menos 2h antes de tomar mais. Espaçar os consumos de GHB para prevenir situações de dependência e sintomas de privação
- Evita a utilização de substâncias por via intravenosa (slamming) ou anal (booty bumping/ boofing). Os efeitos são mais fortes e as overdoses mais prováveis
- Bebe água. O consumo de substâncias aliado à atividade física e a condições ambientais pouco favoráveis (p.e. calor, pouca ventilação) potenciam a desidratação.
- Coloca um lembrete no telemóvel para não te esqueceres de tomar a medicação ou lembrar “que é hora de ir embora”
- Em caso de crise psicológica, é importante manter a calma, mudar de ambiente e pedir a ajuda de alguém de confiança. (Mais informação aqui)
- Em caso de intoxicação aguda relacionada com o uso de substâncias é importante procurares ajuda e ter algumas noções de socorrismo em mente (mais informação aqui)
- Tem em conta que sexo sem consentimento é violação! Pessoas desmaiadas, alteradas ou confusas não são capazes de consentir. É importante “ler os sinais”, e em caso de dúvidas, não avançar
Depois
- Descansa e recupera energias
- Procurar ajuda se o chemsex interferir demasiado com a tua vida
Rede de referenciação em Lisboa para pessoas que praticam chemsex
Kosmicare
- Informação sobre substâncias psicoativas
- Drug checking
- Consulta de apoio à integração de experiências difíceis relacionadas com o consumo de drogas ou de apoio à gestão de consumos não-problemáticos
contact@kosmicare.org
+351 911 185 758
Rua Cesário Verde, nº17b, 1170-092, LisboaGAT – CHECKPOINT Lx
- Informação para a promoção da saúde sexual entre os Homens que têm Sexo com Homens
- Rastreio rápido, anónimo, confidencial e gratuito dos Testes rápidos VIH, Sífilis, e Hepatite B e C
- Consulta médica, confidencial e gratuita para o rastreio de clamídia, gonorreia, vírus do papiloma humano e cancro na região anal e acompanhamento de pessoas em profilaxia pré-exposição
www.checkpointlx.com
geral@checkpointlx.pt
+351 910 693 158
Travessa do Monte do Carmo, 2, 1200-277, LisboaQuebrar o Silêncio
- Acompanhamento psicológico para homens que sofreram violência sexual
- Apoio entre pares
www.quebrarosilencio.pt
apoio@quebrarosilencio@.pt
+351 910 846 589Centro LGBT – ILGA
- Serviço de Apoio Psicológico para LGBT
- Serviço e aconselhamento jurídico para LGBTQI+
- Serviço de apoio a vítimas LGBTQI+
www.Ilga-portugal.pt
centro@ilga-portugal.pt
218 873 918
Rua dos Fanqueiros, 40, 1100-231, LisboaCasa Qui
- Consultas de psicologia no tema orientação sexual e identidade ou expressão de género
- Apoio de Emergência – bullying, violência doméstica ou familiar, expulsão de casa
www.casa-qui.pt
geral@casa-qui.pt
+351 960 081 111
Casa da Cidadania do Lumiar, Largo das Conchas 1, 1750-155, Lisboa